16 de agosto de 2012

SOBRE TER E SER PAI


Fiz questão de passar o dia dos pais com o meu pai neste ano. Não exatamente por ser um ano mais especial ou porque ele mereça mais que nos anos passados, pois se existe uma diferença nessa atitude - e sim, existe uma diferença - ela é produto de uma longa auto-reflexão que tive poucos dias antes dessa data comercial. E há exatos dois posts, deixei bem claro a complexa e difícil relação que tenho com o meu pai, que é o resultado direto da vida familiar (ou ausência dela) que ele me proporcionou e da diametralmente oposta visão de mundo que nós dois temos.

Alguns dias antes do dia dos pais, eu me peguei pensando no quão boa tem sido a relação entre eu e ele, o meu pai. Não que ela seja sequer próxima daquela vida familiar ideal que as propagandas de margarina e as caixas de suco artificial ostentam, mas, ainda assim, está consideravelmente melhor do que foi ao longo dos meus primeiros 20 anos de vida. Ele não se mete muito na minha vida, eu retribuo e agradeço por esse comportamento. Ele não atrapalha e não se opõe quando o que eu faço o desagrada, mesmo que não também não me ajude, apoie ou participe disso. Ele não me dá despesas físicas, financeiras e emocionais e eu, mais uma vez, retribuo da mesma forma. Resta apenas uma convivência educada, de cumprimentos, de cooperação suave e bastante superficial, com algumas raras exceções. Sinceramente? Está muito bom do jeito que tá!

Talvez seja porque eu não seja mais criança/adolescente, eu hoje enxergo um lado sobre a paternidade que antes eu era incapaz de ver: meu pai não é obrigado a cumprir as expectativas que eu criei em cima dele e, além disso, ele não é culpado por tudo que me aconteceu de ruim na vida. É razoável que eu tenha que aceitá-lo por ser como é, da mesma forma que eu exijo que ele faça o mesmo por mim, sem mais perguntas ou interferências. Também não é justo que eu o julgue tão rispidamente pela sua ausência, principalmente porque eu tive uma mãe bastante interessada, disposta e capaz de ocupar os espaços vagos que meu pai deixou. Eu deveria, no mínimo, agradecer pelo fato de que ele não é e nunca foi uma pessoa diretamente ruim pra mim, embora tenha feito seus estragos indiretos... mas quem nunca?

E saindo um pouco mais do ponto de vista de TER um pai e passando para o de SER um pai, pergunto-me: estaria eu preparado pra essa tarefa? Porque, ao menos potencialmente, não há nada que me impeça de ser pai; embora tal pretensão não faça parte dos meus planos de curto, médio e longo prazo, pelo menos por enquanto. Eu só tenho a certeza de que ser pai é bem mais do que disseminar irresponsavelmente os próprios genes pelo mundo ou brincar de formar pessoinhas com personalidades, atitudes e escolhas numa forminha que satisfaça o seu prazer de progenitor.

Acredito que ser pai/mãe de verdade (sim, porque existem vários monstros brincando de ser pai e mãe por esse mundo) é evoluir o próprio sentido de viver, é entrar num nível novo de existência. Biologicamente, somos programados exclusivamente para cumprir uma tarefa: sobreviver, o tempo máximo possível e da melhor forma possível. A sobrevivência inclui duas modalidades: sobreviver individualmente (fisiologia pura: respirar, comer, beber, dormir, excretar, etc) e sobreviver como espécie (basicamente: procriar). Ter um filho é entender que sua sobrevivência individual é secundária perante a sobrevivência individual da sua progênie; é deixar de ser a coisa mais importante do mundo para colocar os seus filhos neste patamar de importância. E, sinceramente, acredito que poucas pessoas estão preparadas e dispostas a cumprir esse papel.

Pelo fato de eu ser um egoísta convicto e assumido, certamente não estou preparado e muito menos disposto a ter filhos. Meu nível de maturidade e inteligência emocional consegue reconhecer que no mundo existem pessoas de importância no máximo equivalente à minha (família mais próxima e amigos), mas ainda não quer ou pretende perder o posto de "Sol" para outra criatura, seja ela quem for. Apesar disso, estou bastante confortável com esta forma de levar a vida, sem previsão pra mudanças.

Consciente disso, como posso eu exigir do meu pai que ele faça por mim algo que eu nem sou capaz de fazer por um possível filho? E mais: como posso julgá-lo e afirmar que não fez/faz isso por mim? Sem parâmetros e sem o poder de ler e entender a mente do meu pai, com que direito eu posso condená-lo de ser um mau pai? Num futuro distante, onde eu já seja pai, serei eu um pai melhor do que o meu foi?

Eu não pude responder essas perguntas, nenhuma delas. Portanto, continuo pensando nisso e tentando ser um filho mais razoável. Afinal, a gente nunca sabe o que nos espera quando a vida te obriga a ser na primeira pessoa aquilo que você só conhecia em terceira pessoa.


"Você sempre me ensinou
a diferença do certo e do errado
Eu preciso de sua ajuda,
papai, por favor seja forte
Eu posso ser jovem no coração
Mas eu sei o que estou dizendo"

(Papa don't preach - Madonna)