Atenção: esse post será bem maior que de costume e provavelmente dará algumas voltas antes de chegar a uma conclusão, e esta conclusão é a MINHA opinião. E lembre-se sempre que você tem todo o direito de não concordar com essa opinião e livre espaço pra argumentar contra ela, desde que seja EDUCADAMENTE.[...]
Ontem, um dos meus (raros) amigos do sexo masculino, heterossexual e que soube da minha sexualidade há pouco tempo resolveu conversar a respeito de homofobia e outros tipos de preconceito. Achei incrível a iniciativa dele, admitindo-se ignorante sobre o assunto e pedindo opiniões, esclarecimentos. Mas ele disse algo que fez pensar mais do que eu já sei a respeito de preconceito:– “Pelo menos na minha opinião, a gente muda demais a visão das coisas quando é alguém que gostamos.” (no caso, referindo-se a descobrir que uma pessoa querida é homossexual).Essa mudança de “visão” fez com que ele começasse a enxergar certa homofobia em alguns dos seus atos e exatamente por esse motivo ele veio conversar comigo, pra que eu desse uma espécie de veredicto do tipo “isso é preconceito” (fiquei lisonjeado, mas estou longe de poder dar esse tipo de veredicto). Em um dos seus exemplos, ele citou ter vergonha por ter brincado com as mais diversas piadinhas sobre gays que foram presentes durante todo nosso período de faculdade, quando nem ele ou nenhum dos meus amigos sabia da minha orientação sexual.[...]
Ainda no assunto humor, recentemente assisti a um debate na MTV que discutia exatamente isso: até quando uma piadinha pode ser engraçada sem ser preconceituosa? Aliás, é possível haver humor politicamente correto? E apesar do debate ter sido uma porcaria – porque todo mundo queria falar ao mesmo tempo e porque não conseguiram chegar a uma “conclusão” em comum – ele serviu pra me estimular a pensar mais a respeito do assunto. No debate foi discutido com grande foco a polêmica recente no Twitter do humorista @DaniloGentili, que publicou a seguinte frase/piada:– “King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e fica famoso, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol?”A frase causou polêmica devido à antiga e preconceituosa associação entre macacos e negros, reforçada pela tirada infame de que “jogadores negros tem preferências por mulheres loiras”. O humorista foi duramente criticado por ONGs de defesa da igualdade racial e por milhares de pessoas no Twitter. O Danilo Gentili argumentou com outra frase no Twitter e por telefone (durante o programa de debates) com as seguintes frases:– “Alguém pode me dar uma explicação razoável por que posso chamar gay de veado, gordo de baleia, branco de lagartixa, mas nunca um negro de macaco?”– “A piada é cruel com todos. É cruel com o político, com o eleitor, com o preto, com o branco, com o amarelo, com todo mundo. O que você não pode é ter a auto-estima tão baixa ao ponto de se ofender diretamente pelo que a piada diz.”[...]
Com as considerações e fatos devidamente citados, vamos às opiniões. É bem verdade que piadinhas sobre as minorias (e maiorias também) existem e são de todos os tipos. São piadas raciais (contra brancos, loiras, negros, amarelos índios), políticas (contra eleitores, políticos, campanhas), religiosas (contra judeus, católicos, evangélicos, muçulmanos, religiões iorubás), regionais (contra gaúchos, nordestinos, portugueses, americanos, etc), sexuais (contra gays, lésbicas... e contra heteros também), etc. As piadinhas são parte da nossa sociedade e é absolutamente comum que você cresça ouvindo piadinhas de alguns desses grupos... geralmente piadinhas do grupo que você não faz parte (ou que pensam que você não faz parte).
Mas nem de longe eu sou hipócrita o suficiente pra dizer que nunca ri de piadas de negros, de portugueses e até mesmo de gays. Eu cresci rindo de piadas de todos os tipos. Não sou “politicamente correto” e concordo plenamente com o Danilo Gentili quando ele diz que as piada são cruéis (e neste assunto, concordo com ele somente neste ponto). As piadas realçam e exageram o feio, o diferente, a minoria, os defeitos, os estereótipos, etc., e a intenção é exatamente provocar risos desses aspectos, criticando-os. Eu particularmente não classifico as piadas por serem preconceituosas ou não, eu as classifico em “piadas boas” e “piadas ruins”, e a piada do Gentili foi muito, MUITO ruim.
Sinceramente, quando me contam uma piada de gays eu tenho apenas duas reações: rir quando é boa e não rir quando é ruim. Mas eu admito que se hoje eu penso assim é porque estou muitíssimo bem resolvido com o que sou e ponto. Não estou em nenhum “armário”, não escondo meus pontos de vista e não me ofendo com piadas (boas ou ruins) sobre a minha sexualidade, simplesmente porque, quando estou entre amigos gays/lésbicas/bissexuais, o alvo da piada são justamente os heteros. Sim leitores heterossexuais, existem MUITAS piadas ridicularizando os heteros, piadas boas e piadas ruins.
O que deve ficar claro é que o humorista não sabe quando o público da sua piada faz ou não parte do grupo que é ridicularizado. O humorista também não sabe se a auto-estima do seu público é/está boa ou não, e tampouco sabe se ele está ou não bem resolvido com seus problemas individuais. Acreditem: existem gays homofóbicos, negros racistas, loiras (burras) que pintam os cabelos e uma infinidade de pessoas que rejeitam aquilo que são; e são essas as pessoas que mais se ofendem com piadas preconceituosas. As piadas são cruéis, mas o humorista jamais pode calcular os danos que elas podem trazer em pessoas mal-resolvidas que são o alvo das piadas. Entretanto, não é responsabilidade do humorista passar a mão na cabeça de gente frustrada, ele está lá pra fazer você rir. E se o público não gosta da piada, ele morre de fome ou procura outro emprego, simples assim. Frustração se resolve com terapia e psicologia.
Se por um lado o Danilo Gentili foi infeliz com sua piada ruim, não entendo exatamente o porque foi feito tanto alarde sobre esse fato. O Christian Pior (personagem do Evandro Santo no Pânico), por exemplo, é totalmente cruel e venenoso com gente pobre, feia, sem classe, etc. Apesar do personagem ser gay, ele nunca é a vítima (por mais que alguns tentem) e é exatamente por isso que é tão engraçado. Ele xinga e critica deliberadamente no seu quadro e ninguém vem em defesa dos pobres e marginalizados, pelo contrário, é muito mais fácil irem contra a “bichinha”. E eu torno a tocar em uma ferida: a resposta pra isso é que racismo é crime, enquanto boa parte das outras formas de preconceito não são, como por exemplo, a homofobia. E nem de longe eu espero que um dia as pessoas sejam presas só por me chamarem de viado (até porque isso implica em prender minha família e meus amigos), a diferença está na violência e não na simples palavra.
Aonde o Alysson vai chegar afinal? Simples: você não deve chamar gay de veado, gordo de baleia, branco de lagartixa e nem negro de macaco, A MENOS QUE o gay/gordo/branco/negro/etc te dê liberdade o suficiente pra isso. Meus amigos me chamam de gay, viado, etc. Eu chamo amigas lésbicas de sapata, amigos gordos de obeso, etc. Porque independente do que foi dito, existe RESPEITO e não é uma palavra de tratamento que destrói o respeito, é a intenção e forma como as palavras são ditas. Existe uma diferença abissal quando um amigo me diz “Ae viado, como vai?” e um estranho fala “Seu viado de merda!”, o que só comprova que uma mesma palavra pode causar efeitos completamente diferentes.
Concluindo: não é a piada que é preconceituosa, é a nossa sociedade, a nossa cultura que são preconceituosas, sexistas, racistas, xenofóbicas, homofóbicas. Num possível mundo utópico onde o preconceito não existisse, duvido mundo que o humor e as piadas deixassem de existir ou mudassem seus focos. O que provavelmente deixaria de existir é a hipocrisia, que “permite” que um gay ria da piada de negros e reclame quando a piada é sobre gays; um cearense ria da piada de gaúcho e sinta-se ofendido com piadas contra nordestinos. As pessoas continuariam rindo quando a piada fosse boa e não ririam quando a piada fosse ruim, sem frustrações, sem traumas, sem defender os alvos das piadas ou sem se ofender quando se é o alvo. O politicamente correto simplesmente não existe sem falso-moralismo, que existe em abundância por aí. E pra finalizar, uma frase que conclui perfeitamente o pensamento: “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”.