A vida não é um jogo, senhoras e senhores. De jogos eu conheço bem: perdi incontáveis horas da minha infanto-adolescência neles, continuo perdendo na fase adulta e certamente perderei na minha velhice. Nos jogos quase tudo é negociado: a dificuldade, os louros da vitória, os prejuízos da derrota, o número de chances e tentativas, o tempo a se permanecer jogando, a hora de parar, as consequências de cada escolha dentro do jogo. Nada disso se parece com a vida. Pra começar, nem é você quem dá o “start” inicial da vida e dificilmente será você a determinar o “game over”. As instruções que lhe são passadas sobre o “como viver” nem sempre são corretas ou fidedignas e quase sempre você aprende a essência da coisa perdendo e errando mesmo, sem direito a uma segunda chance. Se um fracasso homérico acontece na sua vida, não dá pra simplesmente voltar ao ponto onde o erro começou; e mesmo que digam que “nunca é tarde pra recomeçar”, experimente dizer isso a um ex-presidiário que acabou de sair da cadeia após 15 anos de prisão, por exemplo. A vida não é um jogo e, portanto, não deve ser tratada como um.Há algum motivo específico para essa introdução, Alysson? Sim. Na semana em que milhões de brasileiros fizeram a prova do ENEM, pergunto-me quantos desses jovens são capazes de fazer uma real avaliação da carreira que eles pretendem seguir. Eu mesmo assumo: quando fiz o ENEM, passei no infame PROUNI e entrei na faculdade, confesso que não tinha a menor idéia do que fazia um fisioterapeuta, como atuava, qual a sua média salarial, qual a carga horária média, o que teria de pior e melhor pra lidar no cotidiano profissional, entre outros. Eu tinha 17 anos, um péssimo corte de cabelo, um terrível gosto pra me vestir, comer, ouvir e ver o que o mundo me proporcionava. Eu mal sabia o que queria comer no almoço do dia seguinte, como poderia ter escolhido bem a minha futura carreira? É normal esperar de um indivíduo de 17 anos o discernimento pra escolher a carreira que vai prover o seu sustento pelo resto da sua vida? Não!Por sorte, eu abracei a Fisioterapia e ela me abraçou. Talvez por pura sorte, hoje eu esteja vivendo relativamente bem a minha profissão. Ou talvez não: foram necessários dois anos de desemprego após a formatura, frustração e pressão familiar até que eu encarei (e me esforcei pra alcançar) a única saída que me daria um emprego sem que eu dependesse da boa vontade/caridade de ninguém, ou seja, passar em um concurso. Hoje, devidamente concursado, trabalhando satisfatoriamente e regularmente no meu emprego, vejo que alguns problemas antigos desapareceram e deram lugar a novos problemas. Mas não me sai da cabeça essa sensação de estar sendo carregado pela vida, sendo levado aos rumos que ela aleatoriamente decide. E aquele papo de que eu deveria decidir, se não os caminhos, pelo menos os destinos em que eu gostaria de chegar?Que fique claro: neste post eu não critico a minha profissão especificamente (o que eu penso a respeito da Fisioterapia foi claramente exposto neste post) e nem nenhuma outra profissão. A crítica é a um padrão típico solidificado na sociedade, onde jovens são metralhados com conhecimentos sem aplicação prática (na escola), pressionados a escolher um rumo profissional numa faixa etária onde é impossível avaliar as consequências dessa escolha (na adolescência) e, em seguida, torturados num processo seletivo excludente e altamente falho (atualmente o ENEM, ou vestibulares de faculdades particulares). Os que sobreviverem vão aprender na faculdade/universidade a seguir uma carreira, seja ela prática ou acadêmica, muitas vezes sem ter a menor idéia do que isso significa, se ela é adequada aos seus anseios e necessidades. Afinal, no Brasil, parece estar claro que médicos, promotores e auditores fiscais (por exemplo) terão maior rendimento financeiro; mas também é notoriamente reconhecido que tais cargos não são adequados ou acessíveis pra qualquer pessoa e nem só de salário se vive uma vida profissional satisfeita e feliz. Aqueles que perceberem tarde demais que sua escolha profissional não foi feliz podem até tentar recomeçar, claro, mas existe uma série de fatores que podem dificultar ou até impedir o recomeço... isso quando não já é literalmente tarde demais.Refletir sobre esses pontos me deixou com um amargo gosto de insatisfação na garganta. Apesar de nada estar exatamente ruim na minha vida profissional, tenho convicção de que estou longe do patamar desejado, onde eu poderei dizer sem medo: "estou satisfeito". Tenho a impressão metafórica de que eu venho sendo um boneco de isopor flutuando no mar da vida, sendo levado pra onde as ondas querem, sem ter a chance de decidir pra onde eu gostaria de ir, e tem sido assim faz muito tempo. Talvez seja a hora de começar a andar por minhas próprias pernas, afinal, com 25 anos eu tenho bem mais preparo e bagagem pra decidir os rumos do meu futuro do que há 8 anos atrás...
13 de novembro de 2012
O INJUSTO "JOGO" DA VIDA
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