13 de outubro de 2011

FISIOTERAPIA: PROFISSÃO NA CONTRA-MÃO


Encare esta realidade, seja você um fisioterapeuta ou não: se a Fisioterapia existe é por determinação e muita teimosia. O instinto de sobrevivência que mantém viva a minha profissão é quase a mesma de um sujeito desesperado, jogado num rio com correnteza e que precisa sozinho nadar exaustivamente e lutar pra viver. Achou dramático? Então leia o texto completamente, prometo te fazer pensar a respeito...

Se eu pudesse resumir a Fisioterapia, e isso não é fácil, diria que ela é um misto de arte e ciência. É ciência porque, através da química, física e biologia, você começa aprendendo como o corpo funciona em condições normais; depois aprende como ele funciona em condições adversas como doenças e morbidades; depois conhece um pouco do que as outras profissões da saúde (medicina, enfermagem, psicologia, fonoaudiologia, etc...) podem fazer pra resolver essas condições adversas; e, finalmente, aprende o que você como fisioterapeuta pode fazer pra cuidar e melhorar a situação e a qualidade de vida do paciente, com ajuda das mãos (grande ferramenta!) e alguns aparelhos. Parece uma profissão tapa-buraco, mas não é: existem inúmeras doenças e lesões que só podem ser tratadas adequadamente com a atuação exclusiva de um fisioterapeuta e mais outra infinidade de circunstâncias práticas aonde o paciente chega ao fisioterapeuta quando nenhuma outra área da saúde conseguiu ter sucesso em tratar, melhorar ou amenizar seus problemas. Eu também a defino como arte porque não é nos livros que se encontra a “receita mágica” pra tratar de pessoas que precisam da sua ajuda: um abraço no momento certo, a bronca necessária, a conquista da confiança, a explicação difícil facilitada por meio de palavras populares, a conversa de conscientização com os familiares e o apoio dado em horas em que o paciente perde a fé na própria recuperação; nada disso é aprendido em termos de “evidência científica”, é tudo questão de auto-inclinação e muita prática.

A verdade é que a Fisioterapia não é aquela clássica profissão de salvar vidas (embora muitos o façam, sobretudo os que trabalham em UTI e com urgência e emergência), mas sim a profissão de cuidar de pessoas de carne, ossos, mente e coração, de diminuir suas dores e seus desconfortos.

Sim, é muito bonito ser fisioterapeuta. Só não é nada bonito o lugar que ocupamos dentre as áreas da saúde. A atual tabela oficial de pagamentos do fisioterapeuta ainda é de 1992 e, apesar da salgada anuidade da carteira e afiliação com o CREFITO (Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional), pasmem: muito pouco é feito pelos Conselhos Regionais e pelo Federal em termos de conquista e luta pelos nossos direitos e a sociedade praticamente desconhece sua existência, sua atuação é mínima e invisível, se comparada com o CRM (Conselho Regional de Medicina) e o COREN (Conselho Regional de Enfermagem), por exemplo. Os planos de saúde pagam por sessão (que varia de 30 a 60 minutos, em média) um valor com mais de 10 anos sem reajuste que varia entre 6 e 12 reais. É menos do que um pedreiro ou uma manicure ganham por hora e, sem a menor intenção de ofender tais profissões, é conveniente lembrar que passamos 4 anos na faculdade (recentemente diminuído de 4 anos e meio). Quando saímos dela, enfrentamos a desvalorização profissional, o desemprego generalizado da área, a humilhação e a semi-escravidão em clínicas particulares ou lutamos por concursos que oferecem 1 ou 2 vagas e, quando conseguimos um emprego, recebemos de 5 a 12 vezes menos que um médico com carga horária de trabalho até 30% menor. Isso é um exemplo real: a minha história profissional.

Como se não bastasse, a Fisioterapia ainda é uma profissão pouco reconhecida socialmente. Quando o é, adquire caráter de tratamento “adicional”, “opcional”, “alternativo” ou “de luxo”. Os pacientes ainda acham que só precisam procurar um fisioterapeuta uma vez por mês, ou quando sobra dinheiro, ou quando acreditam que precisam relaxar com uma bela massagem, ou quando sobra tempo na agenda corrida do dia-a-dia, ou quando os remédios já não fazem mais efeito, ou quando nada mais resolve seu problema e aquela lesão crônica já não tem muitas esperanças de ser curada. Para sociedade, basicamente, a Fisioterapia é necessidade de ricos, desocupados ou desesperados por um milagre. Esse pensamento totalmente equivocado custa caro para o paciente, para suas famílias, para os empregadores, para os cofres públicos e para a previdência, pois o que tem de absenteísmo e aposentadoria de gente incapacitada de trabalhar por dores (que poderiam ter sido tratadas por completo alguns meses ou anos antes) é quase incalculável. Só que esse dinheiro curiosamente não cai nos bolsos dos fisioterapeutas...

Esquecendo um pouco a questão financeira, a Fisioterapia é uma profissão de teimosos apaixonados que lutam contra a real vontade dos pacientes. Você não vai acreditar, mas os pacientes em sua grande maioria NÃO QUEREM se curar. Ao invés disso, eles querem SER CURADOS, e existe uma profunda diferença entre as duas coisas. Com essa cultura capitalista, imediatista e terceirizada, o paciente se aliena totalmente de sua responsabilidade primária, constante e ativa sobre sua própria saúde. O que eles realmente desejam são pílulas milagrosas que curem as consequências de todos os atos irresponsáveis que eles mesmos cometem diariamente e, de preferência, que seja agora, imediatamente, já! O que eles querem é deitar confortavelmente sobre uma maca, fechar os olhos, esquecer que os problemas do mundo existem e transferir a responsabilidade da cura e manutenção da sua saúde para um terceiro ­­– o fisioterapeuta – pra que este massageie, alongue, mobilize, fortaleça e reabilite o que for necessário. E a dor deve sumir, do contrário eles nem voltam. A saúde do Brasil ainda tem foco na atenção secundária e terciária, ou seja, tratar a doença/morbidade e reabilitar o paciente para evitar/amenizar as possíveis sequelas. Mesmo com tanto investimento, muito pouco é feito na base da pirâmide – na prevenção, educação e conscientização. Como consequência, a sociedade dá pouco valor à manutenção da saúde e supervaloriza a cura.

Isso torna o já difícil trabalho de um fisioterapeuta no 13º trabalho de Hércules (seria essa a explicação numerológica do dia do fisioterapeuta?). O paciente sente a dor e se auto-medica, depois de meses nesse padrão vicioso, o medicamento perde o efeito e finalmente a ida ao médico não pode ser mais adiada. Do intervalo entre o surgimento da dor e o encaminhamento pro serviço de Fisioterapia mais próximo, a lesão que era facilmente resolvida torna-se crônica e complexa. Como se não bastasse, existe uma recusa enorme em aderir plenamente ao tratamento, incluindo uma atividade física regular, exercícios e alongamentos específicos diários, cuidados posturais e auto-preservação. Responda rápido: você conhece quantas pessoas que fazem exercícios regularmente, cuidam da alimentação, dormem bem e adequadamente e fazem exames esporádicos de prevenção?

Finalmente, existe outro grande problema: muitos pacientes não desejam a cura e a melhoria de suas dores. Esse grupo infelizmente nem tão pequeno de pessoas quer remover seus sintomas, não as causas destes. Isso geralmente acontece porque, de alguma forma, estar doente ou sofrendo acaba trazendo um benefício bizarro. Pode ser uma aposentadoria, um repouso pra quem não aguenta mais o trabalho e às vezes pode ser simplesmente atenção e carinho dos familiares. Ok, os pacientes podem até querer que suas dores passem, mas apenas no plano prático das coisas.

A ciência já evoluiu muito na área da neuropsicoimunologia, ou seja, a conexão existente entre o sistema nervoso de uma forma geral, o sistema de defesa corporal e a psique humana. Existem diversas evidências de que condições puramente psico-sociais ruins podem se manifestar em condições físicas ruins, como dores e os mais diversos sintomas clínicos, que são englobados nas chamadas doenças psicossomáticas. Além disso, existe um fator psicológico em qualquer condição adversa à saúde, seja causando, piorando ou interferindo no processo de uma forma geral. Nesses casos, os pacientes podem aderir bem ao tratamento convencional medicamentoso, cirúrgico e físico, mas não alcançam a cura ou melhoria dos sintomas porque não são capazes de resolver seus problemas familiares, emocionais, afetivos, financeiros, espirituais, profissionais, etc. Muitos pacientes não melhoram apenas porque não acreditam ser capazes de melhorar ou porque estão inconscientemente presos à necessidade de estar doente, seja por algum benefício, por auto-punição ou por qualquer outro motivo oculto. O fato é que os humanos adoecem não só pelo que acontece dentro do que é real, mas também pelo que é virtual, subjetivo, possível e/ou imaginário. Já ouvi um caso curioso de uma senhora que acendia velas pra que uma determinada personagem da novela melhorasse de vida e não sofresse tanto; parece ridículo, mas parem pra pensar nas consequências que esse tipo de interferência pode causar na vida de um paciente.

Pra finalizar a reclamação: sabe quem vai passar de 30 a 60 minutos conversando com o paciente enquanto está avaliando, massageando, alongando, fortalecendo, mobilizando e reabilitando? Sabe qual profissional da saúde tem tempo e contato suficiente pra descobrir que tem algo errado com a cabeça, com as pessoas e com o meio em que o paciente vive, e não só com seu corpo? E sabe quem NÃO TEM esse tipo de preparo psicoterapêutico adequado na faculdade, pra ser capaz de se proteger psicologicamente e pra encontrar e identificar as necessidades neuropsicoimunológicas do paciente? E então, ainda acha que fui dramático no começo do texto?

Sim, a Fisioterapia anda na contra-mão e vai continuar assim se uma série de fatores não forem mudados logo, logo. A sociedade precisa conhecer e reconhecer a importância da Fisioterapia, não só como a brincadeira sem graça de que são massagistas profissionais: sim, somos excelentes massoterapeutas, mas fazemos muito mais, indiscutivelmente. Os governantes precisam nos dar um lugar decente e que já é merecido, não apenas esses cargos “de favor” ou complementares, pois se a sociedade ainda sofre com os efeitos da nossa ausência, é porque existem poucos fisioterapeutas atuando por número de habitantes e isso é uma triste realidade. O nosso próprio conselho deveria atuar muito mais a favor dos nossos interesses, estar bem mais presente na esfera política do governo e tomar decisões mais impactantes e ousadas. Se os médicos entram em greve, a população enlouquece e a mídia se escandaliza; se fisioterapeutas entram em greve, a sociedade ri alto. É justo?

E, por fim, é necessário muito mais interesse da própria classe em mudar a própria realidade. Inúmeros fisioterapeutas sentem uma inveja reprimida dos médicos, mas poucos deles conscientizam-se que é mostrando a nossa atuação e lutando pelos nossos direitos é que será possível alcançar nosso próprio espaço. Difamar ou inferiorizar outras áreas da saúde não vai melhorar nossa situação. Quantos fisioterapeutas fazem valer a pena o que aprenderam na faculdade? Quantos fazem uma residência decente, se especializam, se atualizam, fazem cursos complementares, se mantém estudando após a faculdade e antes de procurar emprego? Quantos fisioterapeutas se recusam a lucrar com “choquinho”, “gelinho” e “massagenzinha” de 10 minutos, feitos em 10 pacientes por vez, prejudicando a imagem da profissão e enganando pessoas apenas pra aceitar a esmola de seis, eu disse SEIS REAIS por sessão? Os que eu conheço, contos nos dedos, talvez de uma única mão.

No dia 13 de outubro, dia do fisioterapeuta, eu percebi que só comemoro essa homenagem por amor, um amor que eu nem sabia que tinha pela profissão que acidentalmente escolhi e pela qual me mantenho apaixonado todos os dias. Reconheço que não sinto um pingo de orgulho pelos que representam minha classe profissional de uma forma geral; onde existem tantos maus profissionais; onde a ética interprofissional é tão pouco praticada; onde existe um fisioterapeuta oportunista se oferecendo por metade do salário na vaga daquele outro colega, que foi demitido por organizar uma manifestação a nosso favor; e que ainda briga pra definir quem é o melhor entre “generalista”, “intensivista”, “RPGista”, “osteopata”, “hidroterapeuta” e etc. Ainda tenho esperanças de que, no futuro, a Fisioterapia seja devidamente reconhecida e valorizada, mas até lá, todos os fisioterapeutas, de qualquer especialidade e qualquer lugar, precisam entender que o que nos une é muito maior do que aquilo que nos separa. Pensem nisso...

FELIZ DIA DO FISIOTERAPEUTA!
#13outubro

8 de outubro de 2011

THE POWER OF GOOD-BYE




Nesses últimos dias parei pra pensar no poder do adeus — mas não o "adeus" usual, o até logo que serve de intervalo entre os encontros. A propósito, já perceberam que só nos despedimos com o pesado e formal "adeus" quando temos a intenção de torná-lo definitivo? Tamanho é o poder do adeus que até temos receio de usá-lo, afinal, significa abandonar permanentemente algo/alguém...

Em uma de suas melhores músicas (a que entitula o post), Madonna diz que não existe maior poder do que o poder do adeus. E eu quase chego a concordar. É claro que eu não me refiro apenas às despedidas definitivas; o verdadeiro poder do adeus é o poder do eterno e constanta desapego!

Hoje em dia criamos muitas necessidades "de vida ou morte". Francamente: até comer, beber, dormir, respirar e excretar, que são necessidades humanas reais, sofrem alguma tolerância mínima e, dentro dos limites, podem ser adiados. Entretanto, nossas maiores necessidades cotidianas tornaram-se irrelevantes: ter uma roupa nova para uma festa, assistir ao filme tal, ter um namorado constantemente, comprar a novidade tecnológica da moda, acessar o Facebook 2 vezes por dia, assistir ao último episódio de True Blood, etc etc etc... eu mesmo mantenho boa parte dessa lista como algo de moderada importância.

Bem, isso é algo natural: como humanos que somos, criamos vínculos com aquilo que nos agrada. Se uma experiência é (dentro nos nossos parâmetros) prazerosa, então temos vontade de repeti-lá, mesmo que não seja algo plenamente saudável. E convenhamos que isso acontece com uma freqüência absurda, ao conhecer pessoas, ao degustar comidas e bebidas, ao experimentarmos novos lugares, ao interagirmos com objetos, etc. O problema é que nossos vínculos quase sempre ultrapassam o limite do prazer pro patamar de "apego necessário". Basicamente, um vício em pequena ou grande escala.

Não, eu não estou aqui pra fazer a linha falso-moralista do desapego material, da abstinência sexual, do anti-alcoolismo ou anti-tabagismo e afins. Acho que esse modelo cristão de ver as coisas é absolutamente prejudicial, tornando todas as formas de prazer em pecados capitais. Séculos de privação global do prazer humano tornaram nossa sociedade hipócrita, preconceituosa, auto-punitiva e infeliz, e se existe algum tipo de "salvação" depois de todo esse desgosto, acredito firmemente que ela não me apetece e não vale a pena. Sim, meu sobrenome poderia ser "hedonismo", desde que praticado com moderação.

O grande problema do nosso apego desmedido é que ele adquire caráter de necessidade. Não basta gostar de chocolate, é necessário ter uma dose à disposição o tempo todo ou com uma freqüência estável e fixa, caso contrário, ficamos frustrados. O exemplo acima ilustra a forma como tratamos as coisas que nos proporcionam algum tipo de prazer: primeiro apreciamos uma experiência, depois desejamos repeti-la, depois precisamos de uma freqüência estável em nossas vidas e, antes que possamos perceber, uma interrupção ocorre e entramos em algum grau de abstinência, sofrimento e frustração pela ausência do que desejamos. Façam uma auto-avaliação e perceberão que isso acontece a toda hora, todos os dias e com as coisas mais bobas. A melhor prova disso são as marcas: quantas vezes e quantas marcas você experimenta de um determinado produto antes de decidir qual é o melhor?

E finalmente entrando no foco do assunto, vocês observaram como é realmente grande o poder do adeus? O poder de dizer adeus às coisas sem sofrer com o fato? A capacidade de aproveitar uma circunstância de prazer e apenas apreciá-lá como se fosse a última vez, ao invés de criar vínculos de necessidade que provavelmente terminarão em frustração? Imaginem quanto sofrimento social, afetivo, financeiro, material e sexual evitaríamos. Imaginem quantas situações de lamento e perda deixariam de existir. Imaginem como iríamos encarar melhor situações de perda e roubo material, términos de relacionamentos, falecimentos de entes queridos e similares. Imaginem ainda como nossas vidas seriam mais intensas, emocionalmente falando: iríamos aproveitar o que já consideramos como "bobagens cotidianas" com muito mais vida, como um nascer/pôr do sol, um sorvete de creme, um abraço de quem a gente ama, um pequeno capricho ou conquista realizada...

E ao chegar a essa conclusão, do quão poderoso é o poder do adeus, eu percebo o quanto ainda somos pouco evoluídos emocionalmente e, por que não, espiritualmente; o quanto ainda temos que aprender; e, principalmente, o quanto uma maioria esmagadora de humanos vai continuar reclamando da vida e se sujeitando a auto-punição apenas porque não foram capazes de aprender algo que sempre esteve diante dos olhos, mas não foi visto.