Quando é que nasce o argumento interno que justifica o bullying? A pergunta é dolorida e honesta: em que momento a criança se sente superior ou confortável com o sentimento de segregação, agressão e sofrimento alheio? Eu mesmo tenho um histórico desagradável de bullying infantil, embora já superado ao menos no nível consciente; primeiro por ser magricelo demais, depois por ter traços e comportamentos que me qualificavam como afeminado, depois por minha inaptidão para o esporte típico do brasileiro (futebol), depois por minha aptidão com desenhos, artes e cores, e finalmente por ser o típico nerd (cdf, como dizem por aqui) que vivia na ponta da frente da sala de aula. E lembro que mesmo muito cedo, no jardim de infância, ao olhar para os lados, eu já pertencia a um grupo dos que “não pertenciam”, de excluídos, que incluíam os filhos dos menos ricos, os menos bonitos (porque eu definitivamente não fui uma criança bonita), enfim, dos que não eram “parecidos com a maioria”, embora eu sequer saiba explicar o que qualifica essa “maioria”.
Mas em que momento isso começa? Será que é resultado da observação dos pais da criança, de como esses pais tratam amigos, parentes, empregados e chefes? Ou será que já é uma característica tão inata e tão individual que não pode ser separada ou suprimida da formação da personalidade? Porque crianças tão imaturas, com 3 ou 4 anos, são capazes de hostilizar gratuitamente, às vezes com certo grau de prazer sádico, outras crianças diferentes? Como esse comportamento passa despercebido, ou pior, acaba por ser ignorado por pais e professores que o observam? Até que ponto é natural deixar que crianças aprendam sozinhas a lidar com as diferenças alheias, ainda que de forma hostil, na construção do conceito do “eu” e do “o outro”?
E nessa, eu não me incluo só como vítima, porque é fato que a reprodução do comportamento agressor e opressor ao próximo nos cai bem como alívio das nossas próprias singularidades não aceitas. Quem nunca cometeu bullying contra um colega apenas para se sentir bem e superior a alguém, mesmo sendo vítima desse mesmo comportamento?
São perguntas que eu realmente não sei responder, mas acredito que nessas respostas mora a grandiosa explicação (e potencialmente a fonte da solução) para entender como o sentimento precoce de individualidade e de pertencimento a um grupo “aceito social” justifica o assédio e agressão física/social/psicológica ao outro “diferente” ou “inferior”, ainda que em níveis automatizados ou feitos sem a consciência total da agressão; e pra entender como esses sentimentos e justificativas se enraízam na personalidade do indivíduo de forma a construir preconceitos tão sólidos e resistentes na idade adulta.
Seria o bullying a semente que germina o preconceito?
13 de janeiro de 2013
A ORIGEM DO MAL
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Surtos
10 de janeiro de 2013
OS ANORMAIS
No meio do ano passado, conversando
com uma amiga a respeito dos meus melhores amigos, dizíamos que não tenho
amigos normais. Tá que de perto ninguém é normal, mas a anormalidade a que nos
referíamos dizia respeito a bloqueios severos em algum âmbito da vida; onde o
indivíduo trava totalmente, arranja um jeito de suportar e lidar com a
limitação, nega a sua existência em algum grau e, finalmente, mascara
insuficientemente essa condição.
A variedade dos bloqueios dos meus
amigos é grande: tem o metódico compulsivo; tem aquele nega tudo; tem aquele
que criou seu código moral estreito e antiquado e que é totalmente oposto ao seu
próprio jeito de viver; tem aquele cuja identidade é uma colcha de retalhos
daqueles com quem convive; tem aquele que conseguiu resolver praticamente quase
tudo na vida, mas que não está de acordo com sua crença espiritual; tem aquele
que, por ser inseguro, busca pessoas inseguras pra relacionamentos; tem o
contraditório ambulante; etc.
Daí, eu e essa amiga chegamos à
conclusão que eu atraio gente anormal, o que gerou outra pergunta: qual seria a
minha anormalidade, o meu bloqueio? Primeiro pensei que pudesse ser uma mania
irritante que eu tenho, de diagnosticar e tentar resolver os problemas dos meus
amigos, mesmo quando não sou chamado para tal tarefa. Depois mudamos de assunto
e o tema ficou pra trás, mas na minha cabeça, o tema continuou em atividade por
um bom tempo...
Acredito mesmo que as pessoas vêm
a este mundo por um motivo, e eu não falo naquele tom profético, de “cumprir
uma missão divina”, ou entusiasta, de “deixar algo importante para a
posteridade”. Na minha crença, as pessoas vêm a este mundo aprender alguma
lição importante, a lidar com uma, várias ou um conjunto interligado de limitações.
Identificar, compreender, resolver e ter sucesso (ou não) nesta tarefa é o que
eu considero o grande diferencial quem é feliz e quem é infeliz. Sendo assim, o
que eu possa considerar comicamente como uma “anormalidade” nos meus amigos,
pode muito bem ser o motivo que os trouxe pra esta existência. Quem vai saber?
E associando todas essas ideias,
crenças e convicções, acho que eu finalmente descobri qual a minha “anormalidade”:
aceitar derrotas e engolir minhas insatisfações. Sem esse papo de eu ser
pessimista, até porque minha vida é relativamente fácil e boa; se eu olhar pra
diversos aspectos da minha vida que podem ser considerados complicados, de
resolução quase impossível pra muitas pessoas, pra mim a maioria deles são
bobagem já resolvida, e isso me faz pensar que eu tenho muita sorte na vida.
Nunca passei fome ou sede, nunca tive doenças graves, nunca perdi pra morte
alguém de grande relevância; tive acesso facilitado à educação, informação,
ensino superior e a um bom grau de cultura; sempre estive rodeado de
verdadeiros amigos por onde passei (mesmo que ocasionalmente estivesse na
companhia de falsos-amigos), nunca fui alvo de gente realmente malvada, não me
considero vítima grave de violência, discriminação, mazelas sociais; tenho
condição financeira mediana, mas ainda assim, é bastante elevada se comparado a
uma gigantesca faixa da população. Não consigo me colocar no papel de vítima da
vida porque, pra ser sincero, a minha vida é bastante “fácil” em termos
práticos. Mas existe um pequeno porém...
Existe uma grande diferença entre
o que você tem e o que você quer. Existe uma grande diferença entre o que a
vida te proporcionou e o que você não foi capaz de conquistar, independente do
quão difícil e intensa foi a sua luta pela conquista. E é aí que eu enxergo a
minha maior limitação: eu não sou bom em realizar meus sonhos; na verdade,
observando a lista (pequena, acredite) daquilo que eu desejo ser/ter antes de
morrer, nenhum dos itens foi completado. Por motivos que eu conheço bem, mas
que não convém mencionar, eu não terei a profissão dos meus sonhos, nunca terei
a pessoa que amo, nunca serei capaz de compreender as questões que me afligem e
nunca conseguirei unir aquilo que eu gostaria. Em outras palavras, eu me vejo
como um eterno frustrado, que não conseguiu realizar ou conquistar o alvo dos
seus desejos mais viscerais, mesmo que sob luta contínua e árdua, mesmo quando
tudo indicava que poderia ser possível e acabou não sendo. E, pra piorar, isso soa
como um frustrado que reclama de boca cheia, afinal, como eu descrevi
anteriormente, a minha vida não é ruim ou difícil. Reclamar disso chega a ser
até ofensivo pra muita gente...
No final das contas, acho que a anormalidade
da minha vida é essa: compreender que as coisas boas e ruins virão, mas minha
vida não será severamente modificada por elas; entretanto, aquilo que entra no meu
alvo e vira objetivo de extrema importância não me será concedido, independente
do quanto eu lute e tente, não importa o quanto suor e sangue me custe. Parece
que a minha função nesta vida é aceitar que meus sonhos continuarão no plano
onde eles pertencem, o onírico, e de lá, jamais sairão.
Mas acho que eu consigo. Dói, muito,
mas não é tão difícil assim...
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