Um pensamento intrigante me tirou o sono ontem de madrugada: você já parou pra pensar que seus sentimentos por alguém dificilmente são retribuídos da mesma forma, em níveis de “quantidade” e “importância” equivalentes? Se você discorda, observe cada caso, pois eu não me referi exclusivamente a relacionamentos. Aplique o auto-questionamento acima entre você e seus conhecidos, seus amigos, seus colegas de trabalho/estudo, seus familiares, etc. É raro que alguém tenha consideração, respeito, sentimentos, afinidade e grau de importância equivalentes ao que você oferece a esse alguém. E não, isso não é uma crítica específica a alguém, nem a você e nem às pessoas de uma forma geral, mas sim uma observação que vale a pena ser feita.
Na balança sentimental e social, equivalência é uma coisa rara, geralmente são “dois pesos e duas medidas”. E isso não acontece porque a maioria das pessoas é ingrata ou mau-caráter. Na verdade, as particularidades individuais influenciam poderosamente naquilo que é ou não relevante pra nós. E por mais que você ofereça constantemente aos outros aquilo que acredita ter grande valor, estes podem ter uma opinião de valores bem diferente da sua. Acredite!
Exemplificando: eu tenho 4 “melhores amigos”, amigos de verdade, amigos que estão em níveis iguais de importância acima dos demais. São duas mulheres (A e B) e dois homens (C e D).
A amiga “A” é a minha primeira amiga, conheço-a desde que eu tinha cerca de 5 ou 6 anos. Com ela eu vivi situações de aprendizado que datam da época escolar até os dias de hoje. Nos entendemos e comunicamos numa mera troca de olhares. Enfrentamos preconceitos juntos na infância/adolescência: eu por ser magricelo, ela por ser gordinha, ambos por sermos “inamoráveis”. Agora, adultos, enfrentamos novos preconceitos juntos: eu por ser gay, ela por ser bi (a única bi genuína que eu conheço!). Tivemos criações muito similares, temos valores muito parecidos, crescemos juntos, obviamente, temos muito em comum. Ela é a minha melhor amiga e eu sou o melhor amigo dela. Tenho absoluta certeza (diariamente e pessoalmente confirmada) de que ela tem por mim a consideração, o amor, o respeito, os sentimentos, a afinidade e o grau de importância exatamente igual ao que eu tenho por ela.
A amiga “B” (a Danone) é, além de uma gigantesca amiga, uma professora de vida (já falei disso antes aqui). Apesar de conhecê-la há relativamente pouco tempo, compartilhamos de valores muito semelhantes. Entretanto, ela tem bem mais idade que eu e, conseqüentemente, mais experiências de vida (positivas e negativas); ela é mãe, sustenta a sua família e tem responsabilidades que eu ainda não compreendo. Sinto que ela me dá um valor que eu não possuo totalmente e, talvez por isso e por nossas sutis diferenças, eu não consigo retribuir totalmente toda a importância que ela merece, apesar de amá-la profundamente. É um caso onde eu ofereço menos do que recebo.
O amigo “C” é um grande amigo que eu conheci recentemente, na faculdade. Já nos conhecemos com nossas personalidades totalmente formadas, tivemos criações completamente diferentes, temos grande divergência de opiniões, nascemos e crescemos sob culturas totalmente distantes. Vale mencionar que ele é um garotão heterossexual típico. E apesar de tantas diferenças, sinto um carinho por ele que ultrapassa os limites da amizade e beira a quase-paternidade, apesar de ser mais novo que ele. Sinto uma forte necessidade de manter contato constante, de ajudá-lo sempre que possível, de tentar entender e questionar positivamente suas opiniões, de sempre estar presente na vida dele. Por outro lado, pela divergência absurda de opiniões, a forma de ele demonstrar amizade seja diferente demais da minha. Sinto que, em graus de importância, eu o valorizo muito mais do que sou valorizado. É um caso onde eu ofereço mais do que recebo.
O amigo “
D” (o
Laisse-Faire, também mencionado
aqui) é um amigo que eu conheci durante a minha adolescência e é 3 anos mais velho que eu. Durante muitos anos, nossa amizade foi quase inexistente e bastante ausente, com encontros esporádicos. Há alguns anos, começamos a aumentar drasticamente o nosso contato. Considero-o um sujeito excêntrico (até demais) e bastante paciente, características das quais não compartilho. Somos bastante diferentes, apesar de termos sim algumas coisas em comum. Aqui existe um caso de oscilação de equilíbrio da amizade. Por oras (e sem motivos especiais) ele se torna importante pra mim e eu o procuro. Da mesma forma, por oras eu me torno importante (sem motivos especiais) pra ele e sou procurado. Em outros momentos, somos “esquecidos” temporariamente um pelo outro e a vida continua. Sinto que nossos níveis de importância, sentimentos, respeito, etc, são quase similares, mas com margens de oscilação de uns 25% para mais ou para menos, em ambos os lados.
E é claro, existem pessoas ingratas sim, aproveitadores que se beneficiam da má fé e generosidade alheia (em todos os sentidos) sem pensar em retribuir nada em troca. Também existem os casos de “complexo de Sol”, onde o indivíduo acredita ter um valor maior do que realmente tem, um super ego que menospreza o que lhe é oferecido porque acredita sempre merecer mais. Existem também os casos acidentais, de má comunicação, onde a sutileza das demonstrações de afeto, sentimento e importância é tão grande que tudo passa despercebido. E existem também os casos que, de tão exagerados e efusivos (quase sempre falsos), são simplesmente desconsiderados, mesmo que sejam verdadeiros.
Essa observação sobre o desequilíbrio entre as duas partes da balança sentimental e social é interessante porque nos faz refletir algo presente na vida de muitas pessoas: a IDEALIZAÇÃO. É muito comum criar expectativas exageradas sobre pessoas que, muitas vezes, não podem ou não querem concretizá-las. E isso pode acontecer por trás de cada caso de amor platônico, de decepção nas amizades, de assincronia sentimental entres casais. E pra evitar tais situações, é fundamental criar estratégias para não se machucar e ser realista e sincero o suficiente com os outros, para não machucá-los. Na pior das hipóteses ou em casos de dúvida, evite grandes sentimentos: quanto menor o vôo, menor a queda, basicamente.
Reflitam... e ouçam uma música que tem tudo a ver com o assunto!