9 de junho de 2012

TA-TU-A-GEM



"É provável que o senhor nunca venha a ler esta carta, papai, mas...

Foi só há alguns anos atrás, eu estava no complexo dilema de sair do armário. O senhor nunca vai saber muita coisa sobre todo “boom” que houve naquela época, mas é importante mencionar: aceitar a minha orientação sexual não foi o meu único problema naqueles dias. Havia todo um emaranhado de sentimentos de ódio, preconceito, auto-flagelação mental, vergonha e depressão, mas nada superava o medo de decepcionar quem eu amava, ou seja, o senhor, mamãe, meu irmão e meus amigos.

De todos os ressentimentos que eu mantinha naquela época, restou apenas um, que talvez nunca seja extinto totalmente: a insensibilidade das pessoas que eu amava, inclusive do senhor. Vocês não precisavam saber pelo que eu estava passando, ou o motivo da minha tormenta; bastava que vocês simplesmente percebessem que algo estava errado, que algo estava acontecendo comigo. E devido a todo o meu quadro social, de isolamento, de inversão dos ciclos de sono, de redução na comunicação, de ausência generalizada, vocês poderiam facilmente levar a sério e perceber que havia algo errado e ruim se passando comigo.

O bonito de tudo isso é que passou. Faz tão pouco tempo, mas eu enxergo como algo tão distante da minha realidade e tão antigo. Depois que eu comecei a me aceitar e me entender como gay, várias outras questões incompletas em mim foram resolvidas de forma tão rápida e fácil que eu me pergunto o quanto a homossexualidade me fez uma pessoa melhor. De lá pra cá, eu fortaleci amizades, abandonei pessoas com boas razões, experimentei relacionamentos, experimentei também a solidão, entrei em contato com meus demônios internos, desmistifiquei o sexo, adquiri independência financeira, morei em uma nova cidade, atualmente moro na mesma casa que o senhor, mudei de religião, conheci outros países e fiz minha primeira tatuagem.

Ta-tu-a-gem. É só um desenho com tinta sob a pele. Quem estava comigo no dia da primeira sessão viu, a cada minuto de dor da perfuração, a minha felicidade e satisfação da realização de um sonho, o meu sonho. O senhor precisava ter visto o apoio que seu outro filho – meu irmão – me deu: foi um dos momentos de maior carinho, cuidado, proteção e cumplicidade entre eu e meu mano. E no dia seguinte, o cuidado e apoio da minha mãe e do meu primo, comprando os materiais pro curativo e também fazendo o curativo 3 vezes por dia. Era tanto apoio e felicidade dos meus familiares e amigos... até ter a experiência de voltar a conviver com o senhor.

Onde eu enxergava felicidade, satisfação e realização, o senhor enxergava apenas nojo, decepção, desprezo. Não foi preciso que o senhor visse a tatuagem inteira para sequer olhar nos meus olhos e balançar a cabeça em tom de reprovação sempre que eu passava; um ato compartilhado pelas suas irmãs. E todo esse desprezo velado, sem uma única palavra dita, sem uma única demonstração de afeto, nem nenhuma naturalidade do tratamento cotidiano não passaram despercebidos por mim. E mais uma vez, apesar de não gostar e não saber os motivos que me levaram a fazer a tatuagem, o senhor novamente não viu que algo se passava comigo... porque eu entendo que eu fiz uma escolha e ela tem consequências, mas independente de tudo isso, era muito fácil o senhor perceber que minhas costas estavam machucadas, feridas, doendo, sangrando; e eu precisava de ajuda para cuidar dessas feridas intencionais, sob pena de adquirir uma infecção.

Por conta da sua notória, antiga e contínua negligência como pai, eu fui forçado a acordar minha grande amiga-e-irmã às 6 da manhã por vários dias, apenas para que ela cuidasse de mim, apenas para que ela cumprisse o papel que poderia/deveria ser seu. E requisitá-la todos esses dias, tarde da noite, pra que o curativo fosse refeito antes de eu dormir. Como foi bom saber que eu posso contar com ela pra isso, como foi bom reforçar esses laços, mesmo que nunca tenham se enfraquecido. Como foi importante saber que, mais uma vez, eu não posso contar com o senhor. Como foi bom o senhor ter se ausentado e isso ter me deixado plenamente à vontade para excluí-lo totalmente, sem que eu precisasse pedir ajuda por nem mesmo uma única vez.

Acredite papai – e isto não é uma praga, é apenas a constatação do provável desenrolar dos fatos: eu não vou morar pra sempre com o senhor. Eu ainda pretendo estudar mais, me preparar e me capacitar, ter um emprego melhor, talvez ser dono do meu próprio negócio, morar numa cidade maior, ter um salário maior... são tantos objetivos de uma vida que ainda está na etapa ascendente da primeira fase da juventude-adulta. E o senhor, papai? O senhor caminha para a velhice, pra solidão, pra etapa descendente da vida. E, infelizmente, eu não consigo me enxergar suprimindo ou anulando NENHUMA das minhas conquistas futuras para dar o suporte que o senhor possa vir a precisar. Não por ressentimento ou vingança, papai, eu só não quero ter que dividir a minha felicidade de homem independente, bem sucedido, gay e multi-tatuado; já que é evidente que pelo menos duas dessas condições vão te incomodar pro resto da vida e, consequentemente, te trazer infelicidade."

Pra assistir/ouvir (e ler a tradução) depois da postagem:

2 comentários:

Fábio Nunes disse...

Olá Alysson, ou deveria dizer
Sr. Syn, já que sou da época antiga do seu blog! Reencontrei seu blog pelo face da querida Dama de Cinzas. Não sei se se recordará de mim, eu tinah um blog com uma amiga, o desarranjo sintético, e sempre te lia, agora vi seu blog e vim ler novamente. Bom texto, escrever ajuda a soltar os sentimentos, é sempre bom isso! O melhor é ver que tu tá de bem consigo mesmo, a tatoo é uam fênix né? Vai ficar linda!!! PArabéns pela primeira, pelo jeito virão masi após essa! O importante é que chega uma hora que apesar de tu não querer envolver ng, chatear, magoar com tuas escolhas, tu tem que escolher, ou ser feliz, ou infeliz pro resto da vida e tu escolheu ser feliz!! Isso é muito mais importante que qq coisa e o sentimento de ter apoio de pessoas queridas como tu tem é satisfatório ao máximo!
Abraço.

Alysson disse...

Olá Fábio! Lembro sim de vc e do seu blog, com mais 3 outros amigos, certo? Obrigado por voltar! hehehehe

Tenho escrito bem menos do que antes, depois de entrar nessa vida de "gente grande" (trabalho, contas e responsabilidades), mas ainda faço o que posso pra manter o blog vivo.

A fênix tá linda mesmo, né? Obrigado! Vai ficar mais linda depois de finalizada. E você tem razão: sempre chega o momento em que um pé está no receio e o outro está na felicidade. A decisão de qual pé irá acompanhar o outro é o que faz a diferença.

Abraços!