No meio do ano passado, conversando
com uma amiga a respeito dos meus melhores amigos, dizíamos que não tenho
amigos normais. Tá que de perto ninguém é normal, mas a anormalidade a que nos
referíamos dizia respeito a bloqueios severos em algum âmbito da vida; onde o
indivíduo trava totalmente, arranja um jeito de suportar e lidar com a
limitação, nega a sua existência em algum grau e, finalmente, mascara
insuficientemente essa condição.
A variedade dos bloqueios dos meus
amigos é grande: tem o metódico compulsivo; tem aquele nega tudo; tem aquele
que criou seu código moral estreito e antiquado e que é totalmente oposto ao seu
próprio jeito de viver; tem aquele cuja identidade é uma colcha de retalhos
daqueles com quem convive; tem aquele que conseguiu resolver praticamente quase
tudo na vida, mas que não está de acordo com sua crença espiritual; tem aquele
que, por ser inseguro, busca pessoas inseguras pra relacionamentos; tem o
contraditório ambulante; etc.
Daí, eu e essa amiga chegamos à
conclusão que eu atraio gente anormal, o que gerou outra pergunta: qual seria a
minha anormalidade, o meu bloqueio? Primeiro pensei que pudesse ser uma mania
irritante que eu tenho, de diagnosticar e tentar resolver os problemas dos meus
amigos, mesmo quando não sou chamado para tal tarefa. Depois mudamos de assunto
e o tema ficou pra trás, mas na minha cabeça, o tema continuou em atividade por
um bom tempo...
Acredito mesmo que as pessoas vêm
a este mundo por um motivo, e eu não falo naquele tom profético, de “cumprir
uma missão divina”, ou entusiasta, de “deixar algo importante para a
posteridade”. Na minha crença, as pessoas vêm a este mundo aprender alguma
lição importante, a lidar com uma, várias ou um conjunto interligado de limitações.
Identificar, compreender, resolver e ter sucesso (ou não) nesta tarefa é o que
eu considero o grande diferencial quem é feliz e quem é infeliz. Sendo assim, o
que eu possa considerar comicamente como uma “anormalidade” nos meus amigos,
pode muito bem ser o motivo que os trouxe pra esta existência. Quem vai saber?
E associando todas essas ideias,
crenças e convicções, acho que eu finalmente descobri qual a minha “anormalidade”:
aceitar derrotas e engolir minhas insatisfações. Sem esse papo de eu ser
pessimista, até porque minha vida é relativamente fácil e boa; se eu olhar pra
diversos aspectos da minha vida que podem ser considerados complicados, de
resolução quase impossível pra muitas pessoas, pra mim a maioria deles são
bobagem já resolvida, e isso me faz pensar que eu tenho muita sorte na vida.
Nunca passei fome ou sede, nunca tive doenças graves, nunca perdi pra morte
alguém de grande relevância; tive acesso facilitado à educação, informação,
ensino superior e a um bom grau de cultura; sempre estive rodeado de
verdadeiros amigos por onde passei (mesmo que ocasionalmente estivesse na
companhia de falsos-amigos), nunca fui alvo de gente realmente malvada, não me
considero vítima grave de violência, discriminação, mazelas sociais; tenho
condição financeira mediana, mas ainda assim, é bastante elevada se comparado a
uma gigantesca faixa da população. Não consigo me colocar no papel de vítima da
vida porque, pra ser sincero, a minha vida é bastante “fácil” em termos
práticos. Mas existe um pequeno porém...
Existe uma grande diferença entre
o que você tem e o que você quer. Existe uma grande diferença entre o que a
vida te proporcionou e o que você não foi capaz de conquistar, independente do
quão difícil e intensa foi a sua luta pela conquista. E é aí que eu enxergo a
minha maior limitação: eu não sou bom em realizar meus sonhos; na verdade,
observando a lista (pequena, acredite) daquilo que eu desejo ser/ter antes de
morrer, nenhum dos itens foi completado. Por motivos que eu conheço bem, mas
que não convém mencionar, eu não terei a profissão dos meus sonhos, nunca terei
a pessoa que amo, nunca serei capaz de compreender as questões que me afligem e
nunca conseguirei unir aquilo que eu gostaria. Em outras palavras, eu me vejo
como um eterno frustrado, que não conseguiu realizar ou conquistar o alvo dos
seus desejos mais viscerais, mesmo que sob luta contínua e árdua, mesmo quando
tudo indicava que poderia ser possível e acabou não sendo. E, pra piorar, isso soa
como um frustrado que reclama de boca cheia, afinal, como eu descrevi
anteriormente, a minha vida não é ruim ou difícil. Reclamar disso chega a ser
até ofensivo pra muita gente...
No final das contas, acho que a anormalidade
da minha vida é essa: compreender que as coisas boas e ruins virão, mas minha
vida não será severamente modificada por elas; entretanto, aquilo que entra no meu
alvo e vira objetivo de extrema importância não me será concedido, independente
do quanto eu lute e tente, não importa o quanto suor e sangue me custe. Parece
que a minha função nesta vida é aceitar que meus sonhos continuarão no plano
onde eles pertencem, o onírico, e de lá, jamais sairão.
Mas acho que eu consigo. Dói, muito,
mas não é tão difícil assim...
Um comentário:
Estranhamente meus amigos são até bem normaizinhos no modo de ser. Claro que todos tem suas peculiaridades, mas não diria que eles são pessoas diferente.
Eu sou uma diferente e acho que por não gostar de ser é que busco pessoas encaixadinhas e tal.
Beijocas
Postar um comentário