7 de abril de 2009

AQUI JAZ O LUTO


Há quase um mês eu deixei as enfermarias hospitalares como campo de estágio e fui pra um setor completamente novo pra mim: a UTI (na verdade “as UTIs”). Confesso com um pouco de vergonha que mesmo sendo um quase-Fisioterapeuta, minha visão da UTI até bem pouco tempo era semelhante à de muitos leigos, uma opinião negativa, ruim, que remete à iminência de morte, etc etc etc. Na minha anterior e ignorante opinião, quando alguém entrava na UTI, suas chances sobrevivência (e muitas vezes acompanhada de graves seqüelas incapacitantes) eram muuuito reduzidas. Por isso, antes de iniciar o estágio nas UTIs, me preparei psicologicamente para lidar com eventuais e possivelmente freqüentes óbitos.

Como um péssimo perdedor, eu nunca me preparo para ironias, principalmente as do destino. Foi só eu ingressar na UTI Neonatal – lugar de bebezinhos recém-nascidos muito frágeis e em sua grande maioria prematuros – pra não ocorrer NENHUM óbito. O que eu agradeço profundamente! Pena que eu abaixei a guarda... e infelizmente, não por falta de recursos ou de esforços, muito menos por erros da equipe, mas sim pelo grave quadro de alguns pacientes, 5 recém-nascidos faleceram num período de 15 dias (uma média particularmente ruim para o setor).

– “Aonde o Syn quer chegar com isso?”

O Syn responde:

– “Percebi mais uma vez que aprendemos de duas formas: com o amor e com a dor.”

Com o amor eu aprendi que uma UTI nem de longe é uma “prévia sombria” de um funeral, e se ela tiver uma equipe de profissionais da saúde (principalmente se cada membro da equipe gostar do que faz) bem equipada, bem preparada e com um bom apoio hospitalar, o nível de acompanhamento e suporte aos pacientes internados podem fazer verdadeiros milagres e salvar vidas, muitas vidas. No meu período de estágio (aproximadamente um mês), por exemplo, conseguimos 19 altas e aquelas pequenas crianças hoje passam bem (tomara!), uma ótima média.

Já com a dor eu aprendi uma forma de não me abalar tanto com a morte humana. E nem precisa falar que morte sempre foi um tabu, mesmo quando a pessoa é “bem resolvida” nesse aspecto. Antes, encarar uma morte ou ver um indivíduo morto me trazia pensamentos bastante profundos. Aquela pessoa tinha uma vida, uma história, tinha pessoas esperando pelo seu retorno, tinha amigos, inimigos, amores... e eu me usava como um exemplo mórbido. Quem iria esperar por mim? Quem iria chorar por mim? Quem ficaria feliz quando eu morresse? Quem eu cativei durante a minha vida? O que eu fiz de importante definitivamente?

Todo esse mar de pensamentos era extremamente desconfortável e me trazia graves repercussões profissionais. Os familiares e acompanhantes, entes queridos de um paciente falecido não precisam de mais um chorão pra lamentar o fato junto a eles, muito pelo contrário, eles precisam de um profissional coerente, firme e ético, que provavelmente já esperava o pior e já devia ter preparado as emoções de todos anteriormente. E percebi que se eu fosse lamentar e reviver todos esses sentimentos mórbidos por CADA paciente que eu venha a perder de hoje em diante na minha vida profissional, certamente não vou agüentar muito, por mais insensível que isso possa parecer. Se continuasse assim, cedo ou tarde eu enlouqueceria ou ficaria permanentemente depressivo.

De uns dias pra cá (agora na UTI Pediátrica) eu me peguei agindo antes de pensar nesses momentos mórbidos... num momento crítico, antes mesmo de pensar no que fazer, eu já estava correndo pra providenciar um material de reanimação cardiorrespiratória com urgência (conduta profissonal) ao invés ter um choque emocional e ficar estático diante do paciente sem batimentos cardíacos (conduta sentimental).

E mesmo que eu não tenha me sentido muito à vontade, reagi mais friamente e racionalmente (mas nunca desumanamente) quando a tal reanimação não teve sucesso e perdemos mais um paciente grave. E eu vejo que estou bem, que ainda tenho muito a aprender pra evitar que essas circunstâncias se repitam ou ainda aprender a reagir de forma cada vez mais profissional quando a morte for inevitável. Tempo ao tempo...

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