4 de fevereiro de 2009

BASES INVERTIDAS?


Ontem cheguei em casa morto de cansado. O estágio acadêmico recomeçou com toda força possível, e diferente dos estágios em clínicas que eu já estou acostumado, a atual fisioterapia hospitalar é de uma responsabilidade tremendamente maior. O cansaço vem de uma série de fatores que convenientemente preciso citar: trata-se de um grande centro hospitalar público municipal, localizado em um bairro periférico (mas periférico MESMO) de São Luís. Isso já é informação suficiente pra se ter uma noção quase detalhada da situação (em se tratando de Brasil, Nordeste e Maranhão). O “Socorrão II” é um hospital completamente lotado, mal organizado, com macas por todos os corredores, com pacientes e acompanhantes de semblante sofrido, profissionais estressados e infra-estrutura decadente. Não temos espaço sequer pra sentar, os banheiros são lamentáveis (apesar de lavados), não tem bebedouro em lugar algum e os engenheiros/arquitetos esqueceram completamente o quesito ventilação do ambiente, algo como 10 minutos ali dentro provoca uma sudorese equivalente a 30 minutos de sauna. A verdadeira visão do descaso na saúde do Brasil.

O cansaço vai além do fato de ficar em pé das 13:30 as 17:30, ele inclui o fato de que as macas dos pacientes são completamente anti-ergonômicas pra nós profissionais (muito baixas ou altas) e isso exige posturas que, só de pensar, fazem minhas costas doerem. Além de físico, o cansaço é mental: eu preciso me conscientizar de que por mais que existam pessoas de muito baixa renda e que estejam em situações de saúde precária, eu jamais conseguirei ajudar/tratar todos eles. E isso me remete à frustração, impotência. Juro que daria tudo pra obrigar patricinhas e playboys, ao menos uma vez na vida, a sobreviver por um dia inteiro nessas condições, tenho certeza que o mundo seria melhor (e quem sabe de lá sairiam vários Bono Vox’s).

Pois bem, chegando ao condomínio vi um grupo de vizinhos reunidos (a maioria simpáticos) e resolvi conversar um pouco antes de subir. A pedidos, dei a eles a mesma noção do ambiente de estágio que acabei de citar e isso provocou uma série de discussões, que iam até bem, até que alguns dos vizinhos (os antipáticos, pra variar) começaram a despejar opiniões:

Vizinho A: – “Ah, mas a gente não pode desistir, temos que ser fortes e brasileiros.”

Vizinho B: – “Isso é só a realidade, tu já devia ter se acostumado. É tudo culpa da política.”

Vizinho C: – “Eu oro todo dia na igreja pra que eu não precise nunca ir pra um lugar desses.”

Vizinho D: – “Ah cara, isso acontece mesmo porque a família desses pacientes não ajuda, porque se todo mundo colaborasse dava pra levar o cara pra um hospital particular.”

Vizinho E: – “Se eu fosse tu não teria pena de neguinho não, aquele povo todo tem um pé na bandidagem.”

Mas sem dúvida o comentário mais infeliz foi:

Vizinho F: – “A culpa disso é que tá tudo invertido, todos os princípios, todas as bases.”

Aquilo foi a gota d’água. Saí logo dali sem dar opinião nenhuma, pois aprendi que a luz da razão não serve pra iluminar os cegos, não vale a pena. E tive um nojo tão grande da sociedade na qual estou inserido, uma verdadeira repulsa dessas “bases” que são usadas para auto-redenção e para culpar o otário mais próximo dos problemas que existem. E percebi que eu rompi os conceitos e a dependência de todas essas bases que as pessoas tanto valorizam: “moral e bons costumes”, “família”, “patriotismo”, “fé” e “aparência social”. Me senti extremamente tranqüilo porque me senti livre dessa máquina de hipocrisia que é essa sociedade.

Esses comentários infelizes relampejaram em minha mente como um Déjà Vu de tudo o que eu já escrevi neste blog. Afinal você leitor, que já leu as postagens anteriores, conhece a minha opinião sobre extremismo (de qualquer espécie, o que inclui rótulos e “opinião comum”), patriotismo, relacionamento familiar e religiões em geral. E já deve ter percebido que pra mim essas “bases” são completamente frágeis, instáveis ocas, não me oferecem nenhuma segurança na minha vida. Logo, eu sou o mais perfeito exemplo de inversão dessas bases (que o Vizinho F comentou) e não me sinto culpado pela situação atual do Socorrão II. Já os tais vizinhos deveriam se sentir culpados...

E sigo colocando os pingos nos “is”. Porque não adianta ter esperança, ser forte e acreditar no Brasil se o Vizinho A (que é uma senhora de uns 40 anos já aposentada e acomodada na vida) não faz nada para mudar esse tipo de coisa.

Nem adianta se acostumar, diferente do vizinho B (um garoto de 16 anos, que ainda não sabe porra nenhuma da vida, mas já votou em 2008), devemos é usar a política “culpada” pra melhorar a situação, em vez de se isentar dessa responsabilidade.

E não adianta “orar” na igreja (não interessa qual) e em seguida cruzar os braços pra realidade, aliás, Vizinho C (um pastor de uns 50 anos), seria no mínimo religiosamente correto da sua parte “orar” também para que a situação do Socorrão II melhore, assim ninguém seja precisará sofrer a dura realidade da Saúde no Brasil.

E diferente do que o Vizinho D (uma garota de 20 anos que ainda está na 8ª série escolar) afirma a saúde pública deveria suprir completamente a necessidade da população independente dos serviços privados existirem ou não, e sinceramente, duvido que este indivíduo saiba do estado atual de saúde de pelo menos 25% da sua família.

E finalmente Vizinho E (um playboy de uns 28 anos, sustentado pelos pais e sem nenhum investimento escolar), se bandidagem é crime; calúnia, difamação, preconceito e danos morais também são. Muitas daquelas pessoas (se não a maioria) têm vidas muito mais dignas e com trabalho honesto.

O Vizinho F nem precisa ser comentado ou citado. Esse tipo de falso-moralismo é tão inútil quanto a opinião dos outros 5.

Sei que não sou o cidadão perfeito. Mas faço tudo aquilo que sei fazer e está sob meu alcance pra mudar as merdas que a sociedade instalou e impôs como “é o jeito”. Isso inclui e-mail de cobrança pros candidatos que votei, reuniões de condomínio e comunidade, trabalho voluntário e etc. Sei que sou omisso em diversos pontos, mas não vomito superioridade nem uso as MINHAS BASES pra culpar os outros pelos meus erros, mesmo quando os erros não são só meus (e nem quando eles definitivamente não são erros meus). Tente você fazer o mesmo.

OBS: Quanto as MINHAS BASES... bom, na verdade trata-se de apenas UMA base (isso mesmo, no singular) e esse será o assunto do meu próximo post...

2 comentários:

Cris Medeiros disse...

Eu já fiz um curso de fisioterapia quando tinha sua idade, um cursinho básico, nada universitário e fiz um estágio em hospital... Nossa, era verão e quase morri de cansaço e calor!

Quanto a essas questões sociais. Hoje em dia deixo que falem o que quiser. Mas vão ter que ouvir eu falando o que quero e o que tenho pra dizer geralmente não é agradável para a maioria...

Beijocas

Αιακοσ Επυαλιοσ disse...

Sabe, Syn... Eu escolhi a minha profissão unicamente baseado na vontade que tenho de fazer alguma coisa pelas pessoas. Eu faço Direito. Mas quero ser diferente da maioria. Não tenho religião. Por tanto, minhas motivações são transferidas para outro lugar. Eu já refleti bastante sobre isso e concluí que não conseguiria de forma alguma viver para ganhar dinheiro. Eu preciso de uma razão maior. E há muito tempo descobri que me sinto feliz quando posso ajudar alguém, quando tenho oportunidade de fazer isso. Eu pretendo tentar trazer um pouco de justiça onde ela for necessária e também repartir conhecimento (quero ser professor).
Você deixou uma crítica bastante pertinente aqui. Continue dizendo o que pensa!

Abraços.

∆٭♥∞